Cyberpunk 2077 - Quando negócios e engenharia divergem
Em dezembro de 2020 foi lançado o tão aguardado Cyberpunk 2077, um jogo que prometia ser o melhor jogo de todos os tempos. O projeto que teve início em 2012, foi realizado em meio a uma campanha de marketing agressiva, criando um grande hype em torno do seu desenvolvimento.
Após inúmeras promessas e adiamentos de datas, o jogo foi lançado repleto de problemas. O que causou queda em 40% no preço das ações da CD Projekt, empresa responsável pelo game, e processos na justiça pelo mundo todo. O jogo foi banido da Playstation Store, até que seus bugs sejam corrigidos. Mas o que será que deu errado? A resposta não é tão simples. Mas uma coisa é certa. Os grandes responsáveis foram os executivos da empresa.
O jogo
Sem dúvida Cyberpunk foi um projeto extremamente ambicioso, cuja produção levou cerca de 10 anos, um tempo considerável para o desenvolvimento de um game. Mas não se engane, o jogo é incrível. A equipe de produção está de parabéns. Direção de arte, design de produção, roteiro, direção. Todos excelentes trabalhos. No entanto, por algum motivo, o jogo foi lançado incompleto, recheado de bugs, problemas de renderização e crashs. Pessoas começaram a pedir o dinheiro de volta, o que deu muita dor de cabeça para a Sony que removeu o game da PSN. O jogo custou cerca de R$256,00 na pré-venda.
A CD Projekt é a empresa responsável por The Witcher 3, um dos jogos mais premiados de todos os tempos. Cyberpunk foi um projeto bem mais complexo, e claramente a empresa não conseguiu gerenciar essa complexidade.
Primeiro, houveram inúmeros adiamentos de lançamentos que deixaram a comunidade de gamers bem frustrada, mas o mais importante foi que esses adiamentos começaram a mexer com a paciência dos investidores. Foi lançada então uma correria desenfreada para finalizar o jogo.
O crunch
É um termo usado na indústria para a prática de obrigar os funcionários a fazer horas extras. Segundo funcionários da empresa, essa prática foi imposta por mais de um ano, fazendo que os desenvolvedores tivessem que trabalhar horas a mais durante a semana e até mesmo nos fins de semana.
Mesmo com a prática do crunch, o jogo não foi entregue no prazo. O que mostra claramente que esse tipo de iniciativa não serve de nada e que um planejamento mais assertivo e evitar prazos irreais seria mais eficaz. Um desenvolvedor até mesmo questionou a diretoria em uma conferência de que era bem contrastante desenvolver um jogo cujo tema é sobre abusos de corporações feito em cima de trabalho excessivo de seus funcionários.
A incompetência
Saíram inúmeros rumores na imprensa sobre o ocorrido. Um deles foi que alguns funcionários revelaram que a empresa contratou gestores que não possuíam a experiência necessária para esse tipo de projeto. Tais gestores tomaram inúmeras decisões questionáveis, o que no longo prazo se tornou uma bola de neve irreversível.
A engenharia questionava que as campanhas de marketing e os prazos de lançamento não estavam de acordo com o que estava sendo desenvolvido. E por várias vezes sinalizaram que o jogo não estava pronto, mas isso foi totalmente ignorado pela diretoria.
Como foi dito, o jogo teve várias datas de lançamento e foi adiado todas as vezes. Mas chegou um momento que não seria mais possível adiar, e isso foi devido a pressão dos investidores. Então, a diretoria decidiu lançar o jogo incompleto, mesmo que a engenharia fosse contra. Finalmente a data final foi de dezembro de 2020, mas a verdade é que o jogo precisaria de pelo menos mais um ano para ser finalizado.
A estratégia
A CD colocou a si mesma em uma situação perde-perde, onde ela teria que escolher a solução menos pior. Até hoje não sabemos ao certo o que aconteceu, aqui vou dizer o que eu acho que ocorreu.
Os investidores começaram a pressionar a empresa para botar o jogo na rua. A CD demonstrou ter uma péssima gestão de projetos. Mas adiar o jogo por mais um ano iria expor essa situação, o que faria com que os investidores perdessem confiança na empresa, consequentemente retirando dinheiro da mesma, fazendo o valuation da CD diminuir, gerando assim, prejuízos para a companhia. Então, adiar o lançamento mais uma vez, não seria uma opção e a CD tomou outra estratégia.
A diretoria decidiu lançar o jogo incompleto mesmo. Cheio de bugs. Assim, o game iria para as lojas, deixando os investidores felizes. A CD iria gerenciar a insatisfação dos usuários e ir lançando patchs de correções on the fly, até que o jogo ficasse estável. Fico imaginando a pessoa que teve essa ideia, se achando um gênio da estratégia de mercado.
O que ocorreu foi que o lançamento foi um desastre, os investidores ficaram insatisfeitos de qualquer forma e muitos chegaram até mesmo a processar a CD Projekt. As ações da empresa despencaram. Sua credibilidade foi pro ralo. A CD claramente fez uma propaganda enganosa, pois prometeu um produto e entregou outro, e incompleto. O marketing negativo foi tão grande que chamou atenção de hackers que invadiram a infraestrutura da empresa e roubaram código fonte dos jogos. O tiro saiu pela culatra.
Conclusão
Tudo isso por falta de alinhamento entre negócios e tecnologia. Satisfazer desejos de diretores e investidores se torna mais importante do que construir o produto da maneira correta. Gera pressão e faz com que as pessoas acabem tomando decisões erradas. Contratar mais pessoas, obrigá-las a fazer horas extras como se isso não piorasse a situação. Desenvolver um produto é uma responsabilidade muito grande e que afeta bastante a todos que estão em torno dele. Sejam usuários ou criadores.
Não é a primeira vez que esse tipo de coisa acontece na indústria de tecnologia e não será a última. Mas tomara que possamos tirar algum aprendizado de casos como esse.